27.2.12

 

O Acordo Ortográfico da Nossa Desunião



A polémica do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 reacendeu-se subitamente com a atitude corajosa e desassombrada tomada por Vasco Graça Moura, ao mandar desinstalar o conversor ortográfico dos computadores do Centro Cultural de Belém, poucos dias depois de ter assumido a sua Direcção, repondo a ortografia em vigor em Portugal desde 1945.


Nos pontos seguintes, tentarei expor os pontos principais da minha rejeição do Acordo da LP de 1990, comuns a muitos outros nossos concidadãos que se sentem defraudados pela forma como esta questão foi e continua a ser conduzida pelos Poderes Públicos em Portugal.


Existem três aspectos principais a ter em conta na presente polémica : o linguístico, de base científica ou cultural, sem dúvida o mais importante, o jurídico e o político, todos eles com responsáveis dominantes, cujos nomes serão aqui evocados.


Comecemos pelo primeiro, o Linguístico :


A actual controvérsia tem os seus antecedentes no anterior Acordo, o de 1945, que o Brasil connosco assinou, promulgando-o inicialmente, em 5 de Dezembro desse ano, para mais tarde o vir a revogar, em 21 de Outubro de 1955, por diploma firmado pelo Presidente João Café Filho.


Durante esses 10 anos, os brasileiros contrariaram a aplicação do Acordo, desenvolvendo conturbada polémica, em que, por vezes, o assunto dominante na discussão não era a Língua comum, mas aspectos da Colonização Portuguesa, invariavelmente vistos como negativos, nocivos e até como responsáveis do atraso geral do desenvolvimento do País, nos seus mais variados sectores : educativo, económico, social, político e cultural.


Agindo deste modo, o Brasil colocou-se na situação de incumpridor do Acordo de 1945, retomando oficialmente a ortografia de 1943, que diferia da de 45, principalmente na questão das consoantes mudas etimológicas, nalgumas regras de acentuação, de escrita de maiúsculas e no uso do trema, sobre o u, em vocábulos em que figuram os grupos gu e qu seguidos de e ou i em que o u surge pronunciado.


Portugal assinou e promulgou o Acordo de 1945 também em Dezembro deste ano, adoptando-o até ao presente, permanecendo na situação de cumpridor.


Entretanto, houve outras simplificações ortográficas no Brasil e em Portugal, mais no Brasil do que em Portugal, pelo uso excessivo de acentuação, para marcar a pronúncia. Estas simplificações aproximaram um tanto as ortografias dos dois países, mas mostravam-se insuficientes para se chegar à unificação.


Em 1986, houve uma proposta bastante ousada de reforma ortográfica de académicos portugueses e brasileiros, que abolia grandemente o uso de sinais diacríticos para marcar a pronúncia dos vocábulos.


Esta proposta encontrou forte resistência no Brasil e em Portugal, tendo-se notabilizado pela confusão gerada entre o cágado, simpático animal e o resultado das operações digestivas daquele e dos outros animais, incluindo o que goza de capacidade racional. Na sombra, prosseguiram os contactos entre as academias que, em 1990, pariram o Acordo que aqui nos ocupa principalmente.


A representação portuguesa, na parte científica, coube fundamentalmente ao Prof. Malaca Casteleiro, que, aqui, infelizmente não honrou o papel do seu antecessor, o Prof. Francisco Rebelo Gonçalves, erudito de enorme prestígio, que leccionou em Universidades portuguesas e brasileiras, sempre com geral agrado, granjeando justa estima em todos os meios académicos por onde passou, pela sua incontestável competência, pelos seus largos e inequívocos conhecimentos filológicos, particularmente no Latim e no Grego, importantíssimos para o estudo da Língua Portuguesa.


Neste Acordo de 1990, há, para nós, portugueses, vários pontos merecedores de contestação, desde as regras de hifenização, ao emprego das maiúsculas, à escrita de títulos de obras, etc., mas, acima de tudo, a nossa oposição deve recair na questão das consoantes ditas mudas, c e p, presentes nas sílabas pré-tónicas, que influem na pronunciação das vogais que as antecedem, abrindo-as, como em concepção, recepção, corrector, espectadores, as quais, sem a presença das referidas consoantes, facilmente passarão a ser pronunciadas com a vogal fechada, seguindo uma tendência típica do português europeu, na sua forma oral, que come letras, omite ou silencia as sílabas átonas, praticamente, nos polissílabos, só deixando perceber a um ouvido estrangeiro a articulação das sílabas tónicas.


Por este fenómeno, ainda não perfeitamente explicado pelos Linguistas, aquelas palavras acima, acabarão, com alta probabilidade, pronunciadas, respectivamente, como concessão, recessão, corretor e espetadores ( aqueles que espetam ).


Tal não acontece na oralidade brasileira, que distingue quase por igual todas as sílabas, não precisando, por isso, das advertências etimológicas, representadas por aquelas consoantes.


Acontece que em muitos locais se nota certa oscilação na pronúncia de consoantes etimológicas, mesmo das que não desempenham papel de abertura das vogais antecedentes, havendo muita gente em Portugal que diz Egipto, com p pronunciado, como espectador, com o c igualmente audível, não podendo, por isso, dizer-se taxativamente que estejamos, em ambos os casos,em presença de simples consoantes mudas.


De resto, neste ponto deveras importante, até um estrénuo simplificador da Ortografia, como Aniceto Gonçalves Viana, que em 1911, como redactor principal da Comissão Ortográfica, incumbida, pelo Governo da República, em Fevereiro de 1911, de apresentar uma proposta de Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa, logo o assumiu como excepção, determinando que se conservassem as consoantes c e p que influiam na pronúncia das vogais a, e e o, que precediam as referidas consoantes, assim como defendeu a sua presença, por razão de coerência, em certas palavras e famílias de palavras derivadas, com era o caso de Egipto e egípcio, egiptologia e egiptólogo.


Como vemos, logo em 1911 e pela mão do artífice da maior simplificação alguma vez operada na Língua Portuguesa, Aniceto Gonçalves Viana, quando se aboliram as consoantes dobradas, os grupos ph, rh, th, sc inicial, o h intervocálico (AO de 1931), etc., houve a preocupação de levantar excepções, para evitar deturpações e corrupções de pronúncia na fala portuguesa.


Registe-se que AGViana, apesar de foneticista reputado, não pretendeu elaborar uma ortografia inteiramente fonética ou sónica, pelos absurdos a que ela conduziria, na sua utilização pelas diversas populações do País, tão diferentes no seu falar, como se percebe, ao comparar a fala de um minhoto, com a de um alentejano, transmontano, beirão, algarvio, madeirense ou açoriano, para só citar as variações dela, num território assaz pequeno como o de Portugal Continental e Insular.


Também variam as pronúncias no Brasil, distinguindo-se a fala de um cearense, da de um baiano, mineiro, paulista, carioca, de um falante do Rio Grande do Sul, etc.


AGViana, no seu processo de simplificação da ortografia portuguesa, pretendeu eliminar abusos, excessos de classicismo introduzidos por muitos escritores, quase a seu bel-prazer, desde o Renascimento, época de exaltação da cultura greco-latina, alguns sem fundamentação etimológica, mas apenas motivados por mimetismo classicizante ou por influência da ortografia francesa, acentuadamente etimológica.


Foi, de facto, um trabalho de depuração o que AGViana empreendeu, mas sempre atendendo à fundamentação etimológica, às regras típicas de evolução do português, desde o romanço, pós-românico, dos séculos XII e XIII, marcadamente fonético, como ainda se percebe em alguns termos da prosa de Fernão Lopes e mesmo em textos de Gil Vicente, até à fase de maior aproximação classicizante, predominantemente latina, mas também nalguns vocábulos de inspiração grega, continuando depois esta influência, nos séculos XVII, XVIII e XIX, pela aproximação transpirenaica, buscando-se em França aquilo que culturalmente se rejeitara, na Península, após a recuperação da independência política, em 1640.


AGViana procurou sempre manter o possível equilíbrio entre a fonética e a etimologia, obedecendo à história cultural do idioma, congraçando as diversas influências presentes desde o período medieval, com a individualização dos romanços da Península Ibérica, no galego, no leonês, no castelhano, no navarro, no catalão, etc., integrando no português a influência do provençal, responsável pela nasalização dos sons no idioma, característica que ainda hoje mantém em comum com a língua francesa.


Daí que não seja exacto afirmar que a Reforma de AGViana foi essencialmente fonética ou que ela pretendeu que se escrevesse como se falava, objectivo impossível de atingir, na sua perfeição, no português, como noutra língua qualquer de origem latina ou anglo-saxónica.


Compreendemos, no entanto, que os reformadores do idioma, em 1911, cuja comissão ortográfica integrava nomes ilustres do saber filológico português, como Leite de Vasconcelos, Carolina Michaelis, Adolfo Coelho, Cândido de Figueiredo, a que se juntaram depois, Borges Grainha, Ribeiro de Vasconcelos, José Joaquim Nunes, Gonçalves Guimarães e Júlio Moreira, tivessem, no seu íntimo, outras motivações, além das linguísticas.


Tinham recentemente derrubado a Monarquia, abrindo horizonte a um mar de esperanças de melhoria de vida para todos os portugueses, algumas delas, porém, absolutamente fantasiosas, rapidamente esquecidas ou abandonadas. Mudara-se de bandeira, de hino. Cumpria adoptar-se também nova ortografia.


No entanto, o Governo mostrou bom senso ao entregar o assunto a um escol de estudiosos do idioma, que desempenhou com equilíbrio, ponderação e competência filológica a tarefa a que meteu ombros.


Em Setembro de 1911, o trabalho fica terminado, sendo então publicado, por Decreto-Lei do Governo que põe em vigor uma ortografia simplificada, com as suas bases agregadas, para servirem como regras de orientação, na sua aplicação.


Acreditava-se que a racionalização introduzida favoreceria o combate ao elevado índice de analfabetismo, cerca de 75 %, percentagem bastante alta, mesmo para o baixo estádio de desenvolvimento geral do País.


Nesta crença se baseava a opção pelas ortografias mais próximas da fonética das línguas, caso da espanhola e da italiana, esta última a que mais longe tinha chegado na preferência fonética, em oposição às que preservavam a feição etimológica, como a francesa e a inglesa, por sinal, as que mais progressos fizeram e mais cedo, quanto à redução do analfabetismo das suas populações, contrariando aqui um dos mais queridos mitos dos republicanos portugueses.


Para esta Reforma de 1911, Portugal não auscultou o Brasil. Não obstante, ela colheu forte simpatia entre alguns dos seus maiores filólogos, como Mário Barreto, Silva Ramos e Sousa da Silveira, eminentes estudiosos da Língua, profundos conhecedores dos escritores clássicos portugueses, característica que marcará, por largo tempo, as elites da Língua no Brasil, pelo menos até aos anos 60 do século passado, declinando a partir daí, restando, como seu actual decano, Evanildo Bechara, que desempenhou papel preponderante na comissão técnica do Acordo de 1990, pela parte brasileira.


Entre 1911 e 1945 decorreram vários ensaios de aproximação das ortografias em vigor nos dois países e, por último, naquele ano de 45, foi celebrado o mais extenso, completo e, tanto quanto possível, harmonioso, Acordo Ortográfico, entre Portugal e o Brasil, entrando em vigor no Brasil por Decreto-Lei a 5 de Dezembro de 1945 e em Portugal, igualmente por Decreto-Lei, a 8 de Dezembro do mesmo ano.


Cabe dizer que a grande alma impulsionadora deste Acordo foi o Prof. Francisco Rebelo Gonçalves, que já havia elaborado em 1940 um opulento Vocabulário Ortográfico da LP, depois várias vezes complementado, em novas edições, a que se juntou outra obra relevante, neste campo, como o Tratado de Ortografia Portuguesa, em 1947, sem equivalente até ao presente.


Tal como AGViana em 1911, também Rebelo Gonçalves manteve a defesa daquelas consoantes etimológicas c e p que influem na modulação das vogais a, e e o, que as antecedem, nas sílabas não tónicas das palavras em que figuram.


Foi esta, por conseguinte, uma constante na posição portuguesa, acolhida em 1945 pela comissão técnica brasileira, em cuja composição figuravam nomes prestigiados da Filologia e das letras brasileiras, como José de Sá Nunes e Ribeiro Couto.


No Brasil, o Acordo despertou intensa discussão, como já referido e, ao fim de 10 anos, acabou por ser revogado, abrindo aqui um precedente, que se pode repetir, desta feita pela reacção de portugueses e africanos – angolanos e moçambicanos – que, recorde-se, continuam a seguir a norma ortográfica portuguesa, bem como a nossa norma gramatical, sendo, por isso, com eles que Portugal deve prioritariamente concertar posições e não com o Brasil, que parece sempre apostado em acentuar divergências, tanto na ortografia, como na sintaxe gramatical, desviando-se com frequência das normas cultas da Língua, inclusivamente da sua.


Note-se a relutância do Brasil em ver filmes portugueses sem legendas ou sem dobragem, reforçando deste modo o preconceito contra a fala portuguesa, que, não sendo tão clara quanto a brasileira, está longe de ser havida como incompreensível, obrigando apenas a certo esforço suplementar de atenção, por parte do ouvido brasileiro.


De resto, não consta que em Portugal algum brasileiro tenha deixado de fazer a sua vida por dificuldade em entender a fala portuguesa. Este obstáculo parece só se registar quando o interlocutor português se encontra em Terras de Vera Cruz.


Sem intercâmbio real, i.e., nos dois sentidos, as duas comunidades permanecerão em grande parte incompreendidas, havendo cada vez maior estranheza da parte brasileira para com o português europeu, sobretudo na sua forma falada, mas também já têm surgido tentativas de tradução dos livros portugueses no Brasil. Tudo isto em nada facilita a cooperação e o intercâmbio culturais.


Em particular, a presente fobia brasileira em relação às consoantes etimológicas tem algo de absurdo. Ainda hoje eles escrevem o nome de um dos Estados da sua República Federativa, o Estado da Bahia, com uma consoante muda, no caso o h intervocálico, que ali permanece também impronunciado, mas mantido na sua Ortografia, sem qualquer coerência com o que defendem para a abolição das nossas consoantes mudas, conservadas entre nós, por razões de pronúncia conveniente das vogais que as antecedem.


O Acordo de 1990 também não unifica, porque mantém bastantes facultatividades e duplas grafias. Quase sempre, quando se verifica divergência entre as ortografias, o Brasil mantém a sua, admitindo a dupla grafia, ou seja, o Brasil não muda nada de significativo, para além de prescindir do trema, em pouquíssimas palavras, e de aceitar a perda de acento circunflexo, como nós, nas 3.ªs pessoas do plural dos verbos ver, crer, ter e ver, por ex.


Em quase tudo o mais, é Portugal que cede, não o devendo fazer, sem grave prejuízo para a sua forma futura de falar, nos casos de certas consoantes, como já amplamente exemplificado.


Aqui, para nós outros, portugueses, é ponto de honra, podendo o resto ainda ser negociado, porque não se mostra nocivo, embora algumas modificações como as novas regras de escrita das maiúsculas e de certas palavras compostas, ligadas por hífen, nos pareçam estranhas, falhas de lógica.


Tudo isto o Prof. Malaca conhece, mas não quis defender, cedendo por outras razões, nomeadamente, dando acolhimento ao argumento do número de falantes, favorável ao Brasil, naturalmente, se bem que Portugal, só com Angola e Moçambique, forme um universo de falantes nada despiciendo, que deve ultrapassar o dos 40 milhões.


Já no caso do Dicionário do Português Contemporâneo, emitido sob a chancela da Academia das Ciências de Lisboa, com a coordenação do Prof. Malaca, o trabalho apresentado sofreu um rol de críticas, a maior parte efectuada também por Vasco Graça Moura, que lhe apontou faltas inadmissíveis, como o termo asinha, que significa depressa, bastante corrente em peças de Gil Vicente e até num poema do contemporâneo Alexandre O’Neil, musicado para fado, numa interpretação soberba de Amália Rodrigues.


Acolheu ainda este dicionário termos ingleses, sendo um dicionário monolingue e outros espúrios, de grosseiro calão, como bué (muito), desde sempre banido pelos Professores de Português, nas suas aulas lectivas.


Ficou-se num léxico de 70 000 palavras, quando dicionários correntes da Porto Editora e de outras casas editoras abrigam normalmente 100 000 a 120 000 vocábulos e alguns mesmo mais, como o de Houaiss, na versão portuguesa, o mais opulento de todos, que deve conter cerca de 220 000 termos, sendo todos eles muito mais baratos do que o da Academia, da responsabilidade científica de Malaca Casteleiro.


Igualmente criticável é o facto de este dicionário restringir as abonações de utilização de vocábulos a autores dos séculos XVIII, XIX e XX, deixando de fora autores clássicos fundamentais da Língua Portuguesa.


E para fazer uma obra durante tanto tempo aguardada, porque começada ainda no século XVIII, século da fundação da Academia, contou o Prof. Malaca com um generoso subsídio da Gulbenkian, da ordem dos 300 000 contos ( cerca de € 1 500 000 ) e com mais de uma centena de Professores dispensados pelo Ministério da Educação de tarefas lectivas enquanto durasse a elaboração do famigerado dicionário.


Nunca ninguém, em Portugal, dispôs de condições tão generosas para tarefas semelhantes. Cito aqui, a propósito, o nome honrado do Dr. José Pedro Machado, meu saudoso Mestre, que sozinho, sem dispensas de serviço, sem licenças sabáticas, sem subsídios, sem colaboradores, sem computadores, sem quaisquer apoios, informáticos ou outros, elaborou dicionários comuns da Língua Portuguesa, dicionários etimológicos da LP, dicionários onomásticos etimológicos da LP, vocabulários ortográficos e muitas outras obras de alto valor filológico ao longo da sua profícua vida de Professor e Académico marcada por notável probidade científica, na sua forma de trabalhar.


O Prof. Malaca arcará, assim, com esta terrível responsabilidade de ter contribuído para a degenerescência do português europeu, na sua forma falada, se, entretanto, não se conseguir suspender e corrigir as inconvenientes alterações ortográficas.


Uma vez que a unificação completa, muito provavelmente, nunca será possível, pelas divergências já atingidas, então que se encontre maneira de evitar as consequências mais gravosas para a nossa maneira de falar, acrescentando às actuais facultatividades e duplas grafias, mais umas quantas que salvaguardem a nossa específica forma de falar.


Afinal, isto mesmo parece pretensão natural, para quem transplantou a Língua Portuguesa para os quatro cantos do Mundo, tornando-a falada nos vários Continentes, da Europa às Américas, à África, à Ásia e à Oceania, onde existem hoje estados independentes ou comunidades que pelo uso que lhe deram, mantêm viva a Língua de Camões, mesmo se já algo desfigurada, como a encontramos no Siri Lanca, na Malásia e no extremo oriente, em Macau, territórios em que perduram falas populares, como o «papiá cristão», ainda assim, de origem portuguesa, facilmente identificável.

( A continuar, nos aspectos jurídicos e políticos, como indicado no início )

AV_Lisboa, 26 de Fevereiro de 2012


3.2.12

 

Suspensão do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 : Acto de Coerência e de Coragem



Saúdo vivamente a atitude de Vasco Graça Moura ao mandar suspender a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 no seio da Instituição de que é responsável, o Centro Cultural de Belém.


Este Acordo, como repetidamente se tem afirmado, acarreta para nós, portugueses e africanos, graves inconvenientes na futura pronunciação das palavras em que figuram as chamadas consoantes mudas c e p que influem na modulação das vogais que as antecedem, como por exemplo em vocábulos como : projecto, dialecto, concepção, espectador, receptor, recepção, corrector, etc.


A presença das consoantes c e p, nestes e noutros vocábulos, impede ou contribui para travar a tendência geral para o emudecimento das vogais átonas, na pronúncia portuguesa.


Note-se ainda que nem sempre estas consoantes c e p serão mudas, nas citadas palavras, havendo em Portugal quem as pronuncie, aqui ou ali, facultativamente ou por tradição regional.


Este problema não se levanta em relação à pronúncia brasileira, que, por regra, abre todas as sílabas, tónicas e átonas, na sua forma peculiar de falar; daí que a abolição da presença destas consoantes mudas ou pré-tónicas não lhes cause dano ou incómodo, ao contrário do que sucede connosco.


Por tal motivo, mesmo na Reforma Ortográfica de 1911, a do competentíssimo foneticista Aniceto Gonçalves Viana, seu principal artífice, elas foram conservadas e sempre depois continuaram presentes, opção confirmada no Acordo de 1945, que o Brasil assinou connosco, mas depois não cumpriu, tendo permanecido desde então em falta para com o mesmo, na posição de incumpridor.


Acresce que, juridicamente, todo o processo legal para a entrada em vigor do Acordo de 1990 enferma de irregularidades, nele tendo sido praticados diversos aleijões lógico-jurídicos, de mistura com expedientes de recurso, para que, de Tratado Internacional, exigindo a homologação do documento pelas competentes instâncias legais dos 8 países lusófonos, seus subscritores, se transformasse, por meio de um peregrino «Protocolo Modificativo», em documento com força de Lei, permitindo pô-lo em vigor, a partir da sua promulgação por apenas 3 destes países.


Como pôde isto ter acontecido, sem a reacção generalizada e consequente rejeição por parte das instâncias jurídicas nacionais e dos distintos Juristas portugueses, noutras questões bem menos importantes, sempre tão ciosos da sua opinião ?


Relembre-se que, entre a inicial ratificação do Acordo de 1945, no Brasil, ocorrida em 5 de Dezembro desse ano, até à sua revogação, em 21 de Outubro de 1955, pelo Presidente João Café Filho, decorreram, nada mais, nada menos, que 10 anos de permanente e conturbada polémica, no chamado país-irmão.


O precedente, portanto, existe, para que esta corajosa atitude de VGMoura não deva ser vista como insólita, rebelde ou, muito menos, despropositada.


Esperemos agora que mais instituições, outras instâncias culturais e demais responsáveis por departamentos ou repartições com atribuições de índole educativa ou cultural venham a secundar este oportuno e desassombrado acto de Vasco Graça Moura, que honra aqui a estima e a consideração que, no domínio da criação literária, todos lhe votamos.


AV_Lisboa, 03 de Fevereiro de 2012




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